Desenvolvido com a colaboração de Emília e Emerson Souza, moradores do Horto.

A resistência da comunidade bicentenária do Horto
A comunidade bicentenária do Horto está localizada no bairro Jardim Botânico, zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e é composta por 621 famílias. Sua ocupação foi iniciada a partir da criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro em 1808, com a chegada de Dom João VI ao território que hoje conhecemos como Brasil. Durante o século XIX, o bairro do Jardim Botânico recebeu a instalação de engenhos de açúcar e de café, assim como de fábricas de tecido e de pólvora. Consequentemente, ao redor de seus trabalhos, os operários começaram a construir suas casas e a morar. Vale ressaltar que essas moradias foram construídas pelos trabalhadores das fábricas e do Jardim Botânico em terrenos cedidos pela União para esses fins, possuindo documentos que comprovam tal ação. Por isso, a maior parte dos moradores do Horto é composta por ex-funcionários do JBRJ, como jardineiros e guardas florestais. Já entre as décadas de 1940 e 1960, após as remoções da favela Beira da Lagoa – na Lagoa Rodrigo de Freitas – promovidas pelo governador Carlos Lacerda, os moradores foram transferidos para o núcleo Dona Castorina, no Horto.
Segundo dados do Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 45,7% dos moradores do Horto se declaram como pardos, 37,8% como brancos e 16,4% como negros. Ainda de acordo com o mesmo Censo, no Jardim Botânico 82,9% dos moradores se declaram como brancos, 12,2% como pardos, 4,5% como negros e 0,4% como amarelos. Esse contraste racial entre as duas localidades explicita a diferença na formação socioeconômica do bairro, onde os trabalhadores construíram a comunidade do Horto, enquanto o Jardim Botânico abriga parte da classe alta do Rio de Janeiro.
A comunidade do Horto se localiza dentro da área do Parque Nacional da Floresta da
Tijuca, sob jurisdição federal e com a administração realizada pelo Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro – IPJBRJ. Dentro deste mesmo território, há também uma das unidades do Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada – IMPA, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Mesmo com essas instituições públicas presentes numa área de proteção ambiental, o foco para despejo e remoção é destinado aos moradores da comunidade do Horto, que estão nesse bairro há pelo menos 200 anos, muito antes da Floresta da Tijuca ser reconhecida como Área de Proteção Ambiental e muito antes do SERPRO e do IMPA serem estabelecidos nessa área, por exemplo. O início da criminalização da comunidade do Horto surge com a instalação da Rede Globo de Televisão no Jardim Botânico e desde a década de 1980, a comunidade vem sofrendo ameaças de remoção por parte de órgãos do Governo Federal. No entanto, nos últimos dez anos essas investidas se intensificaram por conta dos avanços da especulação imobiliária na região. Além disso, a administração do IPJBRJ acusa os moradores do Horto de poluir e degradar o meio ambiente, mas a preservação da natureza é parte da identidade da comunidade, já que a maior parte deles vieram de profissões vinculadas ao cuidado da Terra, e se observam ações comunitárias voltadas à preservação ambiental. Então as acusações do IPJBRJ são infundadas.
A comunidade do Horto possui uma vida cultural movimentada, participando ativamente de blocos de carnaval, convocando mutirões de plantio de espécies nativas e de limpeza do Rio dos Macacos, cuidando de sua horta comunitária e possuindo também o Museu do Horto, um museu de território protagonizado e construído pela Associação de Moradores do Horto – AMAHOR. Nele, são organizadas visitas guiadas pela comunidade a fim de que os visitantes conheçam mais sobre as histórias dos moradores e suas relações para com o território, assim como também para que os visitantes se inteirem sobre os ataques e as resistências frente às ameaças de despejo e às remoções promovidas pela União na comunidade bicentenária. Além disso, o Museu possui um perfil no Instagram, onde é possível acompanhar postagens referentes às memórias dos moradores mais antigos, sendo também uma maneira de divulgar informações sobre a luta pela justa permanência no território em que ocupam e que possuem licença para tal. A partir de muita organização e com uma construção coletiva e comunitária, em outubro de 2021, foi aprovada em primeira votação na Câmara Municipal do RJ o Projeto de Lei 161/2009, de autoria do vereador Reimont, Adilson Pires e Eliomar Coelho, que reconhece a comunidade do Horto como Área de Especial Interesse Social – AEIS – para fins de reurbanização e regularização, o que garante a legitimidade da permanência dos moradores no território, assim como decreta, entre várias determinações, o uso do território predominantemente para ocupação residencial e que não afeta direta ou indiretamente a fauna e flora locais. Essa foi uma grande conquista da AMAHOR para assegurar o direito à moradia no território em que ocupam há duzentos anos.

Equipe do Mutirão de limpeza do Rio dos Macacos, no Horto.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.
Registro de ação policial durante as remoções.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.


Colônia de Férias do Horto.
Data: 2019.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.
Horta Comunitária do Horto.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.


Viveiro de mudas da Horta Comunitária do Horto.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.
Registro de ato contra as remoções, na rua Jardim Botânico.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.


Arte representando a luta pelo direito à moradia no Horto.
Acervo do Museu do Horto.
Cedente: Emerson Souza.